Tuesday, June 10, 2008

A garota que eu (não) conhecia.

Boa Noite.

Vou contar uma história. Uma história interessante, que precisa ser compreendida de uma forma mais sensitiva do que perceptiva, pois cada palavra significa muito mais do que o seu sentido bruto. É mais uma história de duas massas disformes separadas no espaço que se encontram. O que vem deles dois acaba sendo muito pouco, mas o que nos interessa é o que vem de cada um deles. Eu ouvi essa história de um livro que achei num velho baú no depósito da minha casa. Prestem atenção.
Ela acorda.Acende um cigarro e após algumas baforadas o atira pela janela, sem se lembrar quantos fumou, durante quanto tempo, quantos minutos de vida perdeu, quantas risadas ganhou.Pensando aos poucos, deitada no beliche(na cama superior) de colcha vermelha e almofadada, refletiu que se durasse ao ser humano mais de 1 segundo para elaborar um pensamento, seria possível viver em inércia pensando no próximo segundo.Quando o pensamento estivesse no fim da sua conclusão, e fosse possível, enfim, descobrir que havia um novo segundo surgindo...puf! Acaba-se o segundo, e o próximo segundo já será outro segundo, com suas novas particularidades.Loucura.
Sacode os cabelos castanhos lisos e longos, joga-os para trás despretensiosamente, e com menos preocupação ainda prende-os, sabendo que se soltarão assim que seu dedo soltar a presilha.Cabelos rebeldes são um problema cheio de charme.Toda aquela beleza carinhosa e limpa que carrega nos cabelos, nos olhos castanhos, no rosto branco e nas bochechas com algumas pequenas sardas, só quem enxerga são os outros.Ela nunca se achou boa, nunca se achou nem capaz de fazer coisa alguma.Todos os seus amigos sempre balançavam a cabeça ao ouvirem seus comentários, e quando alguém a conhecia e comentava sobre o seu auto-pessimismo, todos diziam: "ela é assim mesmo, não liga..".
Eu a conheci de verdade há algum tempo atrás, ela havia acabado de voltar de viagem. Na verdade ela já me encantou, desde a primeira vez que a vi, quase três anos antes de termos nos conhecido de fato.O sorriso, o olhar, os cabelos.. Eu ficava como bobo, olhando ela passar com as amigas, dando risada e conversando.Conhecia suas calças jeans, o jeito de usar o cinto, sobrando um pouco no final, o seu all-star desbotado, até alguns jeitos de prender o cabelo eu sabia. Conforme o tempo passava e eu não conseguia chegar perto dela, fui fingindo esquecê-la um pouco, pois outras pessoas entraram na minha vida, e devido à inatingibilidade que ela tinha para mim, eu preferia não me arriscar a me aproximar assim, eu podia assustá-la. Mas eu sabia que no tempo certo, ia acabar conhecendo-a, de uma maneira ou de outra.
As complicações e descomplicações da vida sempre fazem com que sentimentos escondidos por nós mesmos acabem se mostrando em passos lentos, como um movimento geológico, uma pequena falha de pressão, que aos poucos vai soltando, soltando até se abrir completamente. Me convenço cada vez mais que nós somos pequenas formas geológicas, e que por dentro nós temos diversos processos que demoram pra acontecer, assim como temos piscares de olhos, rápidos, contínuos e necessários. Essas acomodações do espaço, tanto do meu lado quanto do dela, foi o que fez com que eu, repentinamente, deixasse de ser somente eu e ela deixasse de ser somente ela. Não tenho mais certeza de nada do que aconteceu, hoje em dia tudo me parece muito embaçado, somente a lembrança já me traz confusões que não valem a pena...ainda.
Ainda deitada na cama, com o seu cachorro de pelúcia que ocupa metade da cama, ela tentava se levantar de alguma forma, mas a preguiça que sentia lhe empurrava de volta para os travesseiros. Ela não se importava em ficar sozinha, era uma espécie de fuga que tinha para si mesma sempre que as coisas se complicassem no mundo de fora, o que para ela acontecia com certa frequência. Já havia percebido isso antes, e sempre achei um tanto curioso: ela era como um sabonete nas mãos das outras pessoas, sempre que fosse apertada ou acuada, "zip!" escapava, sem deixar rastros no chão, mas ás vezes um buraco no coração de alguém. Não posso deixar de admitir que é um jeito esperto de se viver, sofre-se pouco. Mas eu não conseguiria. Talvez mais tarde eu viesse a perceber que realmente, ela não se importava muito comigo, desde o começo, e foi só o meu desejo que fez com que ela se encantasse. Talvez, mais tarde, eu percebesse que eu é quem tinha criado toda uma situação, cheia de vontades e de contradições complexas, e que ela achou divertido ou peculiar se envolver nisso. Provavelmente depois ela achou que poderia sair assim, sem problemas. Sempre foi assim, porque não seria agora? Ou quem sabe até ela poderia se entregar de cabeça mesmo, e as coisas aconteceriam naturalmente! Segundos depois eu refleti e percebi que não, isso ela não deixaria acontecer. De jeito nenhum.
A minha última reflexão parece ter sido exatamente o que eu ouvi da sua própria boca enquanto chorava, sentado numa cama num lugar longe de qualquer conforto sentimental. Não consigo esquecer dela me dizendo pra pensar um pouco mais nela e menos em mim, naquele momento. Será que eu é que estava fazendo tudo isso comigo mesmo? Será que eu é que tinha armado pra mim mesmo uma armadilha psicológica, e ela só estivesse dentro dela por ter sido escolhida por mim, como uma boneca que se escolhe numa loja? E se eu é que tivesse uma enorme dificuldade de lidar com as pessoas que gosto, ao ponto de me convencer de que elas são loucas e eu sou normal? Acho que só essa idéia já me faz um pouco louco, não? Brr. Calafrios.
Meu cigarro acabou, e agora eu, deitado na minha cama, longe de alguns confortos sentimentais, mas não tão longe quanto estava daquela última vez, encontro uma carta numa caixa. Uma carta que tinha escrito pra mim mesmo há algum tempo atrás e que havia esquecido completamente, na época ela me parecia angustiante demais, ao ponto de não valer a pena esmiuçar e acabar chorando de novo. Eu vou lendo diversas vezes as mesmas palavras até compreendê-las por completo, e enquanto as leio, vou concluindo e desconcluindo, decidindo com suposições, e supondo que as decisões mudam a todo tempo.
Será que ela valia mesmo a pena? É fato que foi muito bom tê-la, conhecê-la, tocá-la, e sentir a todo tempo que ela estava ao meu lado, mesmo sabendo que ela, de fato, não estava. Ela era o sabonete, ela sempre escapava. Mesmo mergulhando fundo e compreendendo tudo sobre ela, eu sabia que havia uma parte que ela não me deixaria ver, ou tentar compreender. O instinto de escapar sempre era mais forte. Fico cada vez mais convencido de que ela gostava muito pouco de mim, e talvez isso tenha feito com que ela pesasse os lados e decidisse que escapar valia mais a pena. Só que ela nunca vai saber se teria valido a pena! Isso me incomoda como um zumbido dentro dos tímpanos. Ela escolheu, talvez por ser mais fácil, por ser menos sofrido...para ela. Quando eu percebi, o meu cigarro tinha apagado ao mesmo tempo que o dela, e por alguns segundos, eu vi que poderíamos ser a mesma pessoa, poderíamos ter sido a minha loucura com a vontade de escapar dela. Um tentando ser normal, e o outro tentando permanecer no lugar. Quite a couple, han?
O que eu sei, por fim, é que loucura ou não, eu sempre gostei muito dela. Desde o começo, quando eu ainda não era louco, e ela provavelmente já tinha aprendido a escapar. Hoje, é isso que me faz pensar que ela não era só uma coisa de dentro da minha cabeça. Mesmo antes da minha cabeça saber quem ela era, eu já a adorava, secretamente. Ela foi como uma criação rebelde que pus num papel e que perdi o controle, mesmo sem nunca ter estabelecido nenhum tipo de controle. O que me deixou angustiado, depois de muitos cigarros, muitos beliches e muitos bichos de pelúcia que ocupam metade da cama, é que eu sempre a deixei escapar, pois sempre achei que era melhor assim. Não tive vontade de prendê-la a mim, e não me arrependo de não a ter prendido. Hoje eu vejo que ela é como aquele segundo que nunca acaba. Quando você acha que compreendeu, ela vai escapar das suas mãos sem dificuldade, e sem pensar no que aquilo vai fazer em você, que está tentando segurá-la. Eu não tentei segurar, mas mesmo assim levei uma pancada, afinal, o que ela sentia sempre foi o que importou. Essa é a história da garota que eu nunca conheci.

Boa Noite.

3 comments:

Gabriel Carvalho said...

de fuder banesa primeiro texto seu em prosa que eu me amarro

Anonymous said...

Isso foi uma das coisas lidas por mim que mais me tocaram. É como "tabacaria". Toca. Torma o pensamento surreal e indescritível em descritível e sintetizado. Te amo por esse seu dom de me entender e me fazer entender, mesmo sem querer.
Obrigado, meu amigo.

Anonymous said...

gosh! isso é.. sem palavras. toca, sim. entende, sim. fantástico!